MARAVILHOSO este texto...e
UMA SOLIDÃO SOLTEIRA
por Fabrício Carpinejar (www.fabriciocarpinejar.blogger.com.br)
O que é ser mãe? É nunca precisar responder a essa pergunta. Diferente de pai, que sempre se explica e gosta de se explicar. Mãe parece que nasce sabendo, não importa a idade, não importa a disposição. Julga-se como um dom natural e um desejo de vida, desde o momento em que brincava de boneca na infância e formava uma família imaginária no quarto. Que menina, quando pequena, já não sonhava em trocar a roupa do filho ao vestir e desvestir sua Barbie? Ser mãe não é encarado como profissão nem deve, mas é tão estafante quanto um início de carreira. O papel é visto como prazer e dádiva. Para alguns homens, é reconhecido como o cumprimento de um ideal. Um sonho. Mas não significa que será fácil. E não é. Responde a um dos períodos de maior aprendizado, nervosismo e tensão. Durante a gravidez, a mulher se multiplica. Espiritualmente é duas. Ganha atenção dobrada. Seus pedidos mais estranhos são atendidos. Cavalheirismo e educação exagerados batem à sua porta. Não me refiro aos assentos vermelhos do ônibus e do metrô e dos guichês do banco, reservados a gestantes. Muito além disso: abrem-se os caminhos do entendimento e da cordialidade. Ela encontra uma paz de bosque, uma quietude social. Não é contestada, criticada, desafiada. Nada que prejudique o andamento da gestação. Sua fragilidade a ilumina de carícias.
DEPOIS DO NASCIMENTO, desconfia de que sua barriga serviu para um aluguel de luxo, que os familiares se importavam com a criança a vir, não com a criança adulta que se transforma em mãe. Paparicam o bebê e ela acaba de canto, alheia, sequiosa por um aconchego que não chega. Na hipótese de atravessar uma cesariana, dolorida e custosa, não receberá sequer algum questionamento sobre sua saúde. Andará sozinha, bem lenta, atrás do cortejo. A depressão pós-parto não é uma miragem, sinaliza desvalia.
De uma hora para outra, a mulher não é mais responsável pela sua existência, é responsável por duas vidas. Não poderá se dar ao luxo de pensar somente em si. Pensará em si por último, caso sobre tempo. Aliás, vejo que não é casando que a mulher deixa de ser solteira, ela muda efetivamente de estado civil ao gerar um filho. A dependência é substituída pela independência, no sentido de orientar e educar a criança.
POR MAIS QUE ESTEJA ACOMPANHADA de um marido companheiro e atento, é como se mandasse no campinho. É ela que deverá responder - ou acredita que deve responder - no surgimento de dúvidas e impasses. O homem ainda goza da regalia de coadjuvante, com atenuante de que não precisa conhecer tudo. Pai está aprendendo a ser pai, mãe está ensinando a ser mãe. A crença é que a mulher tem uma enciclopédia embutida no ventre.
Licença-maternidade não é uma licença poética. Não é apenas estacionar o filho na vaga preferencial do seio. Mal se recuperou do parto e enfrenta a multiplicidade de atividades. Não dorme pelo medo de dormir e deixar escapar um apelo do bebê e ser incriminada por omissão. A insônia é o de menos. Até encontrar a posição certa de segurar o nenê para não ter cólicas, até encontrar a melodia adequada que tranqüiliza o choro, até encontrar a postura confortável para não sofrer com dor nas costas, é uma arte.
ENTRE CUEIROS E TIP-TOPS, entre fraldas e lençóis, dificilmente será reconhecida em família pelos seus pequenos e imprescindíveis feitos. De que modo contar a terceiros e ao próprio marido o que fez? Que deu leite, arrumou as roupas, limpou o cocô, deu papinha e que essas operações tomaram o seu dia? As energias gastas em 24 horas serão reduzidas a um relato de três minutos. Dirão que é exagero. Começa a cobrança e a sensação de que não é compreendida.
O marido aparecerá em casa, leve e lépido, mais disposto (é claro), e brincará descansado com o filho, imitará sons de bichos, desfrutará da organização e de uma companhia para dividir as tarefas. Ele curte o que desejava para você. O pai é o parque, a mãe é dia útil. Resta assistir à alegria como se fosse sua.
IMAGINE UMA PROFISSIONAL HIPERATIVA mergulhar de repente nesse mundo em que nada aparenta acontecer e tudo acontece sem jeito de demonstrar? Ter a rotina reduzida a dez quarteirões do bairro, na faixa que compreende a quitanda, a farmácia, a praça e o mercado, como um exílio em sua cidade? Uma mãe recente é uma ótima crítica da televisão à tarde. Pela primeira vez, é capaz de opinar com fundamento sobre a qualidade dos programas.
De um comercial a outro, o filho cresce mais rápido do que supunha. O que adiava para fazer continuará adiando. Se nos preparativos, demorava séculos para definir a cor do enxoval, as decisões agora são rápidas e fulminantes. São para ontem. O filho largou o peito, deve então acertar a temperatura do leite, preparar a comida, optar pelas peças da gaveta. Será que ponho casaco ou não? Está quente ou frio? O ponto mais visitado é a bunda rosada da criança, para verificar assaduras. As mãos cheiram a hipoglós e não é de estranhar que a pasta branca fique nos vãos dos dedos no momento de dormir. E, quando toca o telefone, a mãe se envergonha de dizer que está segurando o filhote no colo e faz o impossível para que a voz na linha não note o incômodo. Um malabarismo para acalmar os gritos do pequeno, entender a conversa e ser educada. Mãe carrega muita culpa desnecessária. A maternidade é uma solidão desproporcional, uma solidão solteira em cama de casal.
A libido fica em baixa, não se tem a mesma vontade louca de transar. Nem é vontade, é disposição, condicionamento físico. Após desbotar o tapete do corredor no vaivém, não há como se arrumar. Arrepende-se dos espelhos no quarto adquiridos para projetar posições eróticas. O homem se aproxima dengoso e amoroso e a dor de cabeça é a saída menos explicativa. Existe um cansaço inclusive para DR (Discutir o Relacionamento).
A mulher se vê acima do peso, com os seios estranhamente grandes (talvez o homem goste da protuberância, esquece que o aumento é inchaço, dói e não é para ele) e a cintura se equilibrando com a transformação. Pela primeira vez, um maiô não é uma idéia insuportável. O corpo está longe da rigidez e para recuperar as formas antigas só com muita ginástica, musculação e sorte.
ELA ESTÁ DISTANCIADA DO NÉCESSAIRE, substituída pela sacola forrada de plástico, com pomadas, panos, bicos e o restante infinito do arsenal infantil. O máximo a fazer é paquerar a sinaleira. O único jeito de avançar no sinal vermelho é ali, com o carrinho de bebê na faixa de segurança.
Se não está aprontando e ordenando as coisas, está limpando a bagunça. Se não está encaminhando a criança ao sono, está dormindo junto. O banho de banheira da criança que encharcará o piso será o raro momento em que se ausentará, ouvirá novamente sua respiração e buscará informações atualizadas da rua.
Falei do trabalho, porém é o isolamento que mata. O pai age, na maioria das vezes, como um porteiro das visitas, cumpre a convenção social de mostrar o bebê para em seguida continuar suas conversas. Um elogio pra lá, um elogio pra cá, a criança abandona a cena e a mãe corre atrás, para atender as chamadas noturnas. Não há como acompanhar os papos entusiasmados e eufóricos. Escuta-se as risadas do quarto, com receio de que a criança seja acordada e tenha que recomeçar o acalento. Torce para que as visitas saiam cedo.
OS AMIGOS E AMIGAS DA MULHER, de contato freqüente, de repente desaparecem. No início, podem rodear o bebê, propor bilu-bilu e esganiçar dublagens. Exaltam o nascimento. No instante do socorro e exaustão, nenhuma alma por perto. Acontece uma segregação silenciosa e terrível. Alguns se afastam para não incomodar, outros para não serem incomodados.
Durante essa fase, os relacionamentos escasseiam também devido à exclusividade materna. Quem não tem filho pode achar esquisito, mas pais discorrem na mesa sobre quantas vezes a cria foi aos pés e a cor das idas e vindas! Ela encontrará dificuldade de conversar de outros assuntos que não os relativos ao seu filho. Afinal, seu universo gira em torno dele. Vai se aproximar de outras mães para dividir suas dores e delícias. Um dos motivos para que as reuniões das creches sejam longas. É um momento de desafogo e de cumplicidade.
A MÃE QUER SE SENTIR OUVIDA, falar do que incomoda na hora em que sente. Não depois quando já se confortou. Ou antes quando não entende. Tal jornal – mãe é para ser lida no dia. A pior coisa para ela é estocar sentimentos e apreensões, como quem guarda inutilmente papel velho. Mãe deve dizer o que a confunde de pronto e ser respeitada em silêncio até o fim, para que a preocupação não seja convertida em recalque.
Quando não está ao lado da criança, mãe padece com severa intensidade. Uma saída para se distrair – ou ao retornar ao trabalho –, e está ligando apavorada para a babá, solicitando relatos minuciosos dos últimos movimentos do rebento. Pavor de que não há quem cuide melhor do que ela. Ou pavor de que alguém cuide melhor do que ela.
O QUE É SER MÃE? É nunca precisar fazer essa pergunta. O que se experimenta em segredo, o esforço hercúleo, o afeto pontual serão recompensados com a telepatia. A mãe notará que é possível esconder seus sentimentos de qualquer um, menos de sua criança, que alisará seus cabelos no desalento com o pente das unhas e nadará com alegria em seu corpo em cada abraço. E basta observar que a criança imita seu trejeito, basta reparar que a criança segura os objetos com a sua firmeza, basta reconhecer na voz dela o galho florido de seu timbre, basta cheirar o cangote e descobrir quantas fragrâncias não foram criadas, basta vê-la caminhar longe do apoio, balançando como um pingüim, basta ouvi-la dizer “mãe” com a pausa de uma reza, basta ser surpreendida com as repetições de suas idéias, basta que ela invente novas possibilidades para linguagem, basta que ela ponha a digital em um cartão, que ela retribua o “eu te amo”, e as adversidades serão esquecidas. As adversidades já serão amor.
Publicado na Revista Cláudia Bebê, Edição 553, Outubro/Novembro/Dezembro de 2007, p. 58-64
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acompanha 11 enfeites natalinos (1 estrela, 2 papais noéis, 2 gingers, 2
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